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19/12/2019 às 14h33min - Atualizada em 19/12/2019 às 14h33min

Fraude na Sesau envolve doadores de campanha e indicação política

Três nomes citados em inquérito aceito pela Justiça têm ligação direta com campanha do deputado Ricardo Nezinho a prefeito de Arapiraca

A operação Florence - Dama da Lâmpada, desencadeada pela Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Controladoria Geral da União (CGU) e que resultou na prisão de envolvidos, segundo a denúncia apresentada à Justiça, em um esquema criminoso que pode chegar a desvio de R$ 30 milhões na Secretaria Estadual da Saúde (Sesau), revelou também uma trama que envolve indicações políticas para cargos, antecedidas de doações de campanha, que envolvem diretamente o deputado estadual por Arapiraca, Ricardo Nezinho (MDB).

Três nomes que são citados no inquérito apresentado pelo delegado da PF em Alagoas, Jorge Eduardo Ferreira de Oliveira, e aceito pelo juiz titular da 4ª Vara Federal, Sebastião José Vasques, estão entre os principais doadores físicos da campanha de Ricardo Nezinho a prefeito de Arapiraca, em 2016. 

 
 

A gerente do Hospital de Emergência do Agreste (HEA), Regiluce dos Santos Silva, cunhada do parlamentar e indicada ao cargo por ele; o marido dela, o médico anestesista José Ronaldo Pereira de Melo, irmão de Nezinho; e o médico Gustavo Francisco Vasconcelos Nascimento, apresentado como um dos mentores do esquema por meio do Instituto de Ortopedia de Alagoas (Iortal), responsável pela prestação de serviços de Órtese, Prótese e Materiais Especiais (OPME) à Sesau. 

De acordo com as investigações, esse esquema identificado pelos órgãos federais aconteceu a partir de 2016, ano eleitoral e prosseguiu até o caso ser levado à Justiça. 

O inquérito de quase 300 páginas esmiuçou como o grupo "criminoso" agia nos hospitais públicos de Alagoas, que envolve ainda o Hospital Geral do Estado (HGE), inclusive, com a participação de servidores do Estado, que, ao invés de fiscalizarem as irregularidades, faziam vista grossa e ainda recebiam propina por meio do esquema com o Iortal.

Em 2016, na campanha eleitoral à Prefeitura de Arapiraca, conforme constante na prestação de contas do candidato à época Ricardo Nezinho, Gustavo Vasconcelos fez doação como pessoa física no valor de R$ 50 mil, o equivalente a 4.87% do total; Regiluce dos Santos Silva doou R$ 40 mil (3,87%) e José Ronaldo de Melo, outros R$ 63.500 (6,14%). 

Pela lei eleitoral, as doações estariam limitadas a 10% dos ganhos declarados no ano anterior à Receita Federal pelos doadores de campanha. O próprio parlamentar também contribuiu à sua campanha com R$ 65 mil.

Com as investigações iniciadas a partir de irregularidades identificadas pela CGU, como pagamentos a título indenizatório ao Iortal, sem que houvesse sequer contrato que pudesse legalizar o ato, segundo consta no inquérito, Regiluce dos Santos Silva, que chegou a ser presa na operação, mas solta logo em seguida, se tornou responsável por atestar os serviços pagos ao instituto. 

Na apuração, ainda conforme documentação apresentada ao magistrado, o Iortal apresentava apenas uma pequena parte dos serviços prestados. 90% do valor total não era identificado e, mesmo assim, a gerente do HEA atestava os serviços para liberação de pagamento. 

Outro ponto identificado pelos investigadores eram as notas mensais sempre com o mesmo valor de R$ 200 mil, independente da quantidade de cirurgias que teriam sido realizadas e materiais utilizados. 

Nas citações, entre as várias notas apresentadas no valor de R$ 200 mil, ainda de outubro de 2017, referente a serviços prestados sem nem mesmo existir cobertura contratual, havia apenas procedimento identificado no valor de R$ 7.200,54. 

Regiluce assinou em 13 de novembro o "Atesto que os serviços foram efetivamente prestados". E, assim, prosseguiu-se por vários anos até a descoberta das fraudes.

Para reforçar ainda mais os indícios de crimes cometidos pela "grupo", que envolve corrupção ativa, passiva, lavagem de capitais e peculato, os órgãos ainda citaram nomes de pacientes apresentados na prestação de serviços, que, sequer, existem nos dados de CPF da Receita Federal, dentre os quais, Davi Café Torres, Israel Passidonio Silva, Miguel Souglas Gonzaga da Silva, Flional Lima da Silva, Juscenildo Caerano Correia, Nair de Deus das Graças e Anton El Correia Santos.

Diante dos indícios de irregularidades e após a quebra de sigilo de comunicações bancária e fiscal, a PF descobriu que José Ronaldo Pereira de Melo, marido de Regiluce e irmão de Ricardo Nezinho, "foi destinatário de duas transferências do Iortal, nos meses de abril e maio de 2019, conforme dados extraídos do afastamento do sigilo bancário da conta do referido instituto".

"É sabido que José Ronaldo Pereira de Melo é médico anestesista, mas, nos meses em que recebeu valores do Iortal, seu nome não constava na lista de produção encaminhada nos respectivos processos de pagamento, não havendo como justificar estes depósitos como pagamento por serviços prestados. O Iortal não pode remunerar ninguém por serviços prestados sem a vinculação formal com suas atividades, quer seja antes ou depois do termo de colaboração", consta no inquérito. 
 

E prossegue o delegado Eduardo Ferreira de Oliveira, afirmando que "antes, a identificação e atesto dos serviços prestados eram uma premissa para a indenização; depois da assinatura essa identificação passa a ser uma obrigação contratual. É possível que estes depósitos tenham sido realizados com o objetivo de incluir Regiluce dos Santos na lista de influência do Iortal, uma vez que seu papel era relevante, para deixar de praticar ou praticar atos de ofícios, no interesse não mais da gestão pública, mas sim do Iortal, em mais um claro indicativo de crime de corrupção".

Os  órgãos federais ainda comprovaram à Justiça que a contratação da empresa Iortal, apenas em agosto de 2018, ocorreu sem licitação, sob a natureza de OSCIP (Organização da Sociedade de Interesse Público, ou seja, sem fins lucrativos), "bem como a legalidade de todos os pagamentos realizados à mesma empresa entre fevereiro de 2016 e agosto de 2018, a título indenizatório, pela prestação de serviços de Ortopedia ao HGE e ao HEA, sem qualquer contrato escrito firmado".

Em consulta aos dados do Portal da Transparência do Estado de Alagoas, de acordo com os investigadores, constatou-se que houve pagamentos ao Instituto de Ortopedia de Alagoas (Iortal), sem prévia licitação e sem contrato formal mediante reconhecimento de dívida até agosto/2018, e, posteriormente, houve assinatura do Termo Colaboração nº 147/2018, de 21/08/2018, no valor anual de R$ 11.464.166,88. 

"O referido Termo de Colaboração foi firmado com o Governo do Estado de Alagoas, por meio da Secretaria de Estado da Saúde. No período de 01/01/2016 a 17/06/2018, verificou-se, em consulta ao sítio eletrônico da transparência do Governo do Estado de Alagoas, que foi pago ao mencionado instituto o montante de R$ 30.121.902,87", constam das alegações da PF aos pedidos de prisão e abertura de processo contra os acusados na Justiça.

Apesar das ligações de parentesco e indicações políticas, o deputado Ricardo Nezinho não é citado no inquérito. A reportagem buscou respostas do parlamentar, por meio de sua assessoria de comunicação, sobre as ligações com dois dos principais acusados, desde que o caso veio à tona, na semana passada, sem que obtivesse resposta até essa quarta-feira (18).

A mesma postura de silêncio tem sido adotada pelo governador Renan Filho (MDB), apesar de cobranças públicas de deputados na Assembleia Legislativa Estadual (ALE) e de representantes de Alagoas na Câmara e no Senado Federal.


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